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  • Foto do escritorMoacyr Petrocelli

1ªVRP | SP: Registro de Imóveis. Partilha causa mortis. De cujus que ao tempo do óbito era casado em segundas núpcias. Bem adquirido em regime de comunhão no primeiro casamento. Continuidade registral


Vistos.


Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Felipe de Oliveira Lourenço, diante de negativa em se proceder ao registro de formal de partilha extraído dos autos da ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de Fernando Amorim Lourenço (processo n. 1019415-09.2015.8.26.0007, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Itaquera da Capital), envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 24.233 daquela serventia.


O Oficial informa que o imóvel foi adquirido quando o inventariado era casado em primeiras núpcias com Sônia Regina de Oliveira Lourenço, sob o regime de comunhão parcial de bens, na vigência da Lei n. 6515/77, por contrato de compra e venda com financiamento junto à Caixa Econômica Federal, conforme averbação n. 12 da referida matrícula; que, diante da comunicabilidade do bem entre os cônjuges, em observância ao princípio da continuidade registrária, exigiu-se a apresentação da carta de sentença referente à partilha de bens do patrimônio comum, para efeito de transmissão do imóvel da matrícula n. 24.233, em nome exclusivo do divorciando Fernando Amorim Lourenço, juntamente com prova do recolhimento do ITCMD, pelo excesso de meação, e eventual comprovação do deferimento da gratuidade da justiça, para fins de custas e emolumentos; que a carta de sentença extraída dos autos da ação de conversão de separação judicial em divórcio do ex-casal Fernando e Sônia (processo n. 0053009-77.2003.8.26.0001) foi apresentada com o formal de partilha, entretanto, o título igualmente restou desqualificado, por ausência de homologação judicial da partilha do imóvel, por falta de recolhimento do imposto de transmissão devido e eventual comprovação do deferimento da gratuidade da justiça, para efeito de custas e emolumentos; que, no requerimento de suscitação de dúvida, o interessado alega que o imóvel seria bem particular de Fernando Amorim Lourenço, e não teria se comunicado com a então cônjuge, conforme manifestado pelo juízo da ação de inventário e partilha; que, ao contrário do afirmado pelo suscitado, a r. Decisão "não se trata de bem particular para fins de continuidade registrária no tocante aos autos do divórcio, onde com a juntada nestes autos de inventário foi possível constatar que efetivamente o imóvel passou a lhe pertencer em sua totalidade, isto é, ao divorciando e agora inventariado Fernando, bastando para a sua qualificação positiva a apresentação da carta de sentença (artigo 221, inciso VI, da Lei n. 6.015/73) e a guia devidamente recolhida do ITBI e/ou ITCMD relativo ao excesso de meação (art. 289 da Lei n. 6.015/73)".


Documentos vieram às fls. 10/884.


Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte suscitada aduz que na ação de conversão de separação judicial em divórcio do ex-casal Fernando e Sônia (processo n. 0053009-77.2003.8.26.0001) foi acordado que os direitos sobre o imóvel caberiam com exclusividade a Fernando Amorim Lourenço, o que foi homologado por sentença, já transitada em julgado; que, nos autos da ação de inventário dos bens deixados por Fernando Amorim Lourenço (processo n. 1019415-09.2015.8.26.0007), houve o reconhecimento do direito da inventariante (a cônjuge supérstite, casada em segundas núpcias com Fernando Amorim Lourenço) de concorrer com os herdeiros no que se refere aos bens particulares deixados pelo "de cujus"; que, por esta razão, a inventariante alienou sua parte do respectivo imóvel aos demais herdeiros (suscitado e seus irmãos), sendo, então, recolhidos os impostos de transmissão "inter vivos" e "causa mortis"; que, deste modo, as exigências formuladas pelo Oficial devem ser afastadas para ingresso do título no fólio real (fls. 10/25 e 885/899).


O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 908/910).


É o relatório.


FUNDAMENTO e DECIDO.


De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.


No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que dispõe o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): "Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais".


Importante destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.


O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:


"Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental".

E, ainda:


REGISTRO PÚBLICO. ATUAÇÃO DO TITULAR. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. DÚVIDA LEVANTADA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal - crime de desobediência - pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (STF, HC 85911 / MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.


No mérito, a dúvida é procedente.


Para o ingresso pretendido, imprescindível que se observe o princípio da continuidade, como explica Afrânio de Carvalho:


"O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente" (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, p. 254).

Ou seja, o título deve estar em conformidade com o inscrito no registro.


No caso concreto, a matrícula n. 24.233 do 15º Registro de Imóveis da Capital (R.10/24.233) indica que o imóvel foi adquirido por Fernando Amorim Lourenço e sua esposa Sônia Regina de Oliveira Lourenço, casados sob o regime de comunhão parcial de bens, na vigência da Lei n. 6.515/77, em 16 de abril de 1999 (fls. 878).


Assim, o imóvel foi adquirido a título oneroso pelo casal, na constância do matrimônio, com comunicação ao patrimônio de Fernando Amorim Lourenço e de Sônia Regina de Oliveira Lourenço em virtude do regime de bens do casamento, razão pela qual ambos constam como proprietários na matrícula n. 24.233 do 15º Registro de Imóveis da Capital.


Não se trata, portanto, de um bem particular de Fernando Amorim Lourenço, e excluído do regime da comunhão parcial de bens que vigorou no casamento.


Por sua vez, a pretensão da parte suscitada consiste no registro do formal de partilha extraído do inventário dos bens deixados pelo falecimento de Fernando Amorim Lourenço (processo n. 1019415-09.2015.8.26.0007, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Itaquera da Capital).


Nota-se que, dentre os bens arrolados no plano de partilha homologado em 13.03.2018, está a totalidade do imóvel da matrícula n. 24.233 (fls. 685/694, 579).


Contudo, a metade ideal de Sônia Regina de Oliveira Lourenço foi desconsiderada: a totalidade da propriedade do imóvel, nos termos convencionados entre a inventariante Vera Lúcia Pedi Amorim e os herdeiros, foi atribuída com exclusividade aos filhos herdeiros do "de cujus": Maurício de Oliveira Lourenço, Danilo de Oliveira Lourenço e Felipe de Oliveira Lourenço.


Outrossim, importante consignar que, ao contrário do defendido pelo interessado, a r. decisão proferida pelo Juízo da ação de inventário, conforme reproduzida às fls. 893, dirimiu apenas que a inventariante teria direito de concorrer com os demais herdeiros "no que se refere aos bens particulares do "de cujus", mas, frise-se, não tratou de qualificar o imóvel objeto da matrícula n. 24.233 como bem particular exclusivo do inventariado.


Assim, justamente pela falta de identificação do título apresentado com o conteúdo da matrícula é que a qualificação negativa foi acertada, tudo em respeito ao princípio da continuidade registrária citado (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73):


Art. 195 Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. (...)
Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

No mesmo sentido, o item 47 do Cap. XX das NSCGJ:


Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias.

Assim, a sucessão de Fernando Amorim Lourenço, por ser posterior, somente poderá ingressar no fólio real após o lançamento da partilha de bens da extinta comunhão do casal Fernando Amorim Lourenço e de Sônia Regina de Oliveira Lourenço (pelo registro da respectiva carta de sentença), para efeito de transmissão do imóvel da matrícula n. 24.233, em nome exclusivo do divorciando Fernando Amorim Lourenço, o que preservará a ordem cronológica dos registros e o princípio da continuidade.


Neste contexto, concluo que a exigência de regularização prévia da situação do patrimônio comum do casal Fernando Amorim Lourenço e de Sônia Regina de Oliveira Lourenço, é medida de rigor em respeito ao princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei n.6.015/73), notadamente porque não estamos diante de hipótese de alienação voluntária.


Nesse sentido:


REGISTRO DE IMÓVEIS. TITULAR DE DOMÍNIO FALECIDO. INVENTÁRIO. FORMAL DE PARTILHA QUALIFICADO NEGATIVAMENTE. IMÓVEL ADQUIRIDO PELO AUTOR DA HERANÇA NA CONDIÇÃO DE CASADO. REGIME DA COMUNHÃO DE BENS. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DESTINO DA MEAÇÃO CABENTE À ESPOSA. IMPOSSIBILIDADE DA TRANSMISSÃO DA TOTALIDADE DO IMÓVEL AOS HERDEIROS DO FALECIDO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRÁRIA. DÚVIDA. JULGADA PROCEDENTE - APELO NÃO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1006789-97.2021.8.26.0604; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Sumaré - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2023; Data de Registro: 24/02/2023)
REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA. Falecido que não realizou partilha de parte ideal de imóvel ao tempo do divórcio. Situação de universalidade de direito. Mancomunhão. Necessidade da partilha prévia do imóvel para sua transmissão por sucessão. Exigência de aditamento do formal de partilha mantida - Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1001515-10.2019.8.26.0189; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019)
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação expedida nos autos de Ação de Execução – Título não imune à qualificação registral – Devedor que consta como casado em regime da comunhão universal na matrícula, mas que se divorciou – Necessidade do prévio registro da partilha para que se conheça o destino da meação da ex-cônjuge – Continuidade não observada – Dúvida Procedente – Recurso não provido (Apelação n.0003968-52.2014.8.26.0453, relator Des. Manoel Pereira Calças)

No que diz respeito à exigência para apresentação do recolhimento do imposto de transmissão devido em razão do excesso de meação, oportuno esclarecer que os divorciandos, ao acordarem em atribuir a integralidade do bem comum para um dos cônjuges, propiciaram desproporção entre as meações, o que caracterizou excesso, que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa.


Essa reposição onerosa é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.

Se, na divisão, um dos cônjuges adquire onerosamente a meação do outro sobre determinado imóvel, configura-se o fato gerador do ITBI, que é a transmissão inter vivos a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel. Se não houver compensação financeira, considera-se doada essa parte desproporcional, pelo que incide ITCMD.


Na espécie, como não houve reposição onerosa, ficou caracterizado o fato gerador do ITCMD.


No entanto, não há notícia do respectivo recolhimento.


Como se sabe, para os registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).


Correta, portanto, a fiscalização realizada no caso (exigência de recolhimento do imposto de transmissão cabível).


Vale observar, ainda, que, em havendo previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação ou pela existência de qualquer causa extintiva do crédito tributário.


Neste sentido decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura na Apelação nº 0019186-49.2013.8.26.0100, de relatoria do Exmo. Des. Elliot Akel (destaque nosso):


"Registro de imóveis Dúvida Registro de carta de adjudicação Ausência de recolhimento de imposto ITBI que é devido pela cessão e pela adjudicação Impossibilidade de reconhecimento de decadência ou prescrição pela via administrativa Impedimento do registro mantido Recurso Desprovido".

Finalmente, também subsiste a exigência para eventual comprovação de deferimento de justiça gratuita para efeito de registro da carta de sentença.


Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.


Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.


Oportunamente, ao arquivo.


P.R.I.C.


São Paulo, 04 de junho de 2024.


Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito



________________


Cf. 1ªVRPSP - Processo 1066578-79.2024.8.26.0100, Juíza Renata Pinto Lima Zanetta, j.04/06/2024.


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