Pedido de providências - reclamação contra cobrança de emolumentos - registro de escritura de compra e venda - imóvel de destinação agrícola, cadastrado no Incra, embora localizado em zona urbana de acordo com lei municipal ao tempo da qualificação - recadastramento no Incra - devolução devida - observância do artigo 7º da lei estadual n. 11.331/02 - recurso provido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso interposto por Wesley Airton Pellegrini e Sônia Regina Francischetti Pellegrini contra a r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Limeira, que entendeu como correta a cobrança de emolumentos para registro da escritura de compra e venda objeto da prenotação n. 301.445 daquela serventia.
O Oficial informou que o Registro n. 26 da matrícula n. 3.375 foi realizado em 10 de agosto de 2022, sendo que, no dia 09 de novembro do mesmo ano, a parte apresentou requerimento pela revisão do ato por entender que os emolumentos haviam sido calculados sobre base equivocada, já que seria inadequada a utilização do valor venal atribuído pelo município, uma vez que se trata de imóvel rural. Por esse motivo, emitiu nota de devolução informando não ser possível o atendimento, pois o valor havia sido apurado corretamente à vista dos documentos produzidos com o título.
Inconformada, a parte requereu a suscitação de dúvida, sendo o expediente encaminhado sob a forma de pedido de providência para consulta à Corregedoria Permanente.
O MM. Juiz Corregedor julgou devida a cobrança dos emolumentos com base no valor venal do imóvel, já que era considerado urbano na época em que o título foi apresentado para registro.
A parte interpôs recurso de apelação, alegando que não foi correta a cobrança dos emolumentos com base no valor venal, pois o bem está cadastrado no INCRA; que demonstrou a caracterização de imóvel rural, utilizado para atividade agrícola; que o Estatuto da Terra define como imóvel rural o prédio rústico de área contínua destinado à exploração agrícola, qualquer que seja a sua localização (artigo 4º da Lei n. 4.504/64); que houve equívoco do Registrador ao lançar a Averbação n. 9 na matrícula do imóvel, segundo a qual o cadastro do INCRA foi cancelado e o imóvel incluído na zona urbana do município por meio da Lei n. 1.458/74; que a simples inclusão do imóvel na zona urbana não é suficiente para caracteriza-lo como urbano, devendo ser observada a sua destinação e não sua localização; que a guia de recolhimento do ITBI apontou o cadastro no INCRA como base de cálculo para a apuração; que somente para efeitos de localização, por estar inserido no perímetro urbano, é que constou da escritura o fato de o imóvel estar cadastrado perante a Prefeitura, o que não afeta a sua utilização; que as certidões de valor venal não demonstram que sobre o imóvel incide IPTU, até porque a cobrança desse tributo foi suspensa.
Nesse contexto, defende como devidas a retificação da Averbação n. 9 e o reconhecimento da inadequação da cobrança realizada, com restituição da diferença.
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 119/123).
É o relatório.
Por primeiro, cabe observar que, em se tratando de reclamação contra cobrança a maior de emolumentos, regulada pelo artigo 30 da Lei n. 11.331/02 e pelo item 73, do Capítulo XIII, das NSCGJ, a apelação deve ser recebida como recurso administrativo.
No mérito, a melhor doutrina ensina que os emolumentos notariais e registrais possuem natureza jurídica de taxa (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal):
"(...) perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada emolumentos, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa..." (Carvalho, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05.06.2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo - SINOREG).
Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:
"Direito constitucional e tributário. Custas e emolumentos: Serventias Judiciais e Extrajudiciais. Ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 7, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: Ato Normativo. (...) 4. O art.145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art.236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução do Tribunal de Justiça e não de Lei formal, como o exigido pela Constituição Federal..." (ADI 1444 PR, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgamento em 12/02/2003, D.J. 11/04/2003).
O fato gerador dos emolumentos é a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal, que, no Estado de São Paulo, são regulados pela Lei Estadual n. 11.331/02, a qual estipula tabela própria para cobrança.
Para fins de enquadramento na referida tabela, a lei determina a apuração do custo efetivo do serviço prestado, estabelecendo os seguintes parâmetros (destaques nossos):
"Art. 7º - O valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento nas tabelas de que trata o artigo 4º, relativamente aos atos classificados na alínea "b" do inciso III do artigo 5º, ambos desta lei, será determinado pelos parâmetros a seguir, prevalecendo o que for maior:I- preço ou valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas partes;II- valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra nua, as acessões e as benfeitorias;III- base de cálculo utilizada para o recolhimento do imposto de transmissão "inter vivos" de bens imóveis.Parágrafo único - Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea "b" do inciso III do artigo 5º desta lei".
Vale notar que, embora a Lei Estadual n. 11.331/02 determine a utilização de parâmetros semelhantes, a base de cálculo dos emolumentos não se confunde com a base de cálculo dos impostos (ITBI, IPTU ou ITR).
As normas estaduais apenas indicam o critério fixado na legislação municipal como parâmetro para o enquadramento das hipóteses de incidência dos emolumentos conforme tabela escalonada, que estabelece valores fixos para faixas progressivas, variantes conforme o preço do imóvel.
Esse foi o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.887, no qual a corte superior, ao analisar referido regramento, concluiu que o parâmetro fixado não provoca a identidade vedada pelo artigo 145, §2º, da CF, ou seja, a base de cálculo dos emolumentos não se confunde com a dos impostos.
Portanto, o enquadramento na tabela própria para apuração da taxa devida deve observar o maior dos parâmetros previstos nos incisos do artigo 7º para determinação do valor da operação tributada, independentemente da natureza do fato ou do negócio que deu origem ao título apresentado para registro.
No caso de escritura de compra e venda para transmissão do domínio do imóvel, o que se tem é um ato de registro com conteúdo financeiro (artigo 5º, III, "b", da Lei n. 11.331/02), cujo enquadramento depende da avaliação do imóvel conforme os diferentes parâmetros fixados na Lei Estadual, incluindo a verificação da base de cálculo do ITR, cuja apuração é regulada por lei federal (Lei nº 9.393/96), ou da base de cálculo do IPTU e do ITBI, cuja apuração é regulada por lei municipal.
Por outro lado, as hipóteses de incidência do ITR ou do IPTU dependem da destinação dada ao imóvel e não apenas de sua localização. O critério material apontado pelos artigos 29 e 32 do Código Tributário Nacional sofreu releitura pela jurisprudência do STJ (REsp 472628/RS, DJ de 27/09/2004; AgRg no REsp 679173/SC, DJ de 18/10/2007; REsp 1112646/SP, DJ de 28.8.2009 e AR 3971/GO, Primeira Seção, DJ de 07/05/2010) e, também, por legislação posterior, como a Lei n. 8.629/1993.
Neste sentido, ainda, a definição de imóvel rural dada pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64).
No caso concreto, não há controvérsia de que, ao tempo da apresentação do título e de sua qualificação (princípio do tempus regit actum), o imóvel estava localizado na zona urbana do município de Limeira (Lei Municipal n. 1.458/74), o que ensejou o seu cadastramento junto à Prefeitura Municipal e a expedição da certidão que deu suporte à Averbação n. 9, lançada em 1994 na matrícula n. 3.375 (fls. 30/31).
Portanto, não se vislumbra irregularidade em tal ato registral.
Também não resta dúvida a respeito do lançamento tributário do IPTU de 2022, de acordo com o valor venal estipulado no cadastro imobiliário das três áreas que integram o imóvel da matrícula n. 3.375 (cadastros municipais n. 0964.011.000, n. 0966.016.000 e n. 1509.029.000, fls. 41/44 e 62/65).
Por outro lado, tal lançamento tributário foi suspenso pela municipalidade no bojo do Processo Administrativo n. 10090/2022 (fls. 13/25), com posterior nova modificação da situação do imóvel (recadastramento no INCRA - Av. 27/3.375 - fl. 37).
Neste contexto e conforme esclarecido anteriormente, como a base de cálculo da taxa não se confunde com a dos impostos, há que serem observados os parâmetros fixados no artigo 7º da Lei Estadual n. 11.331/02 para o enquadramento do ato na tabela própria utilizada na apuração dos emolumentos devidos, prevalecendo o que for maior, que, no caso, deve ser a base de cálculo do ITR pois o lançamento de IPTU foi suspenso pelo fisco municipal.
Note-se que não há como se defender a regularidade da cobrança quando o valor venal utilizado para sua elaboração não mais subsiste, o que se confirma pela notícia de suspensão da cobrança pela municipalidade já ao tempo da qualificação e pelo recadastramento posterior perante o INCRA, a confirmar reconhecimento de que, embora o imóvel esteja localizado na zona urbana, tem destinação econômica agrícola.
A devolução deverá se dar de forma simples e com correção monetária já que não se vislumbra erro grosseiro ou atuação de má-fé.
De fato, ao tempo da qualificação e do registro, havia lei municipal incluindo o imóvel na zona urbana, com lançamento de IPTU (ainda que suspenso), sendo que a reclamação da parte somente se deu posteriormente ao ato de registro, com ratificação do entendimento do Oficial por seu Corregedor Permanente.
Neste sentido:
COBRANÇA DE EMOLUMENTOS A MAIOR. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. COMPREENSÃO JURÍDICA DO REGISTRADOR QUE NÃO PREVALECEU. DEVOLUÇÃO DOS VALORES EXORBITANTES DEVIDA, TODAVIA SEM INCIDÊNCIA DA PENA PRIVADA PREVISTA NO ARTIGO 32, P. 3º, DA LEI ESTADUAL N. 11.331/02 - RECURSO NÃO PROVIDO" (CGJSP; Recurso Administrativo n. 0003233-07.2018.8.26.0541; Parecer n. 317/2019-E; Corregedor: Geraldo Francisco Pinheiro Franco; Localidade: Santa Fé do Sul; Data de Julgamento: 17/06/2019; Data DJ: 01/07/2019).
Diante do exposto, o parecer que respeitosamente apresento ao elevado critério de Vossa Excelência é pelo recebimento da apelação como recurso administrativo, o qual deve ser parcialmente provido para acolhimento do formulado pela parte quanto aos emolumentos, com determinação ao Oficial para devolução do valor cobrado a maior com a incidência de correção monetária, o que deverá ser acompanhado pela Corregedoria Permanente, com comunicação de cumprimento a esta Corregedoria Geral da Justiça.
Sub censura.
São Paulo, 20 de março de 2024.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza Assessora da Corregedoria
Assinatura Eletrônica
DECISÃO
Vistos.
Aprovo o parecer apresentado pela MM. Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, ao qual dou parcial provimento para acolher o pedido formulado pela parte quanto aos emolumentos, com determinação ao Oficial para devolução do valor cobrado a maior com a incidência de correção monetária, o que deverá ser acompanhado pela Corregedoria Permanente, com comunicação de cumprimento a esta Corregedoria Geral da Justiça.
Publique-se.
São Paulo, 22 de março de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Assinatura Eletrônica
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Ref. CGJSP - Processo 1011613-10.2023.8.26.0320, Des. Francisco Eduardo Loureiro, j.22/03/2024.
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