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  • Foto do escritorMoacyr Petrocelli

CGJ | SP: RCPJ. Associação. Constituição. Objeto social plantio de cannabis para fins medicinais e científicos. Possibilidade. Qualificação registral.


A Lei de Registros Públicos impõe dever relevante ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas:


Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividades ilícitos ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes. Parágrafo único. Ocorrendo qualquer dos motivos previstos neste artigo, o oficial do registro, de ofício ou por provocação de qualquer autoridade, sobrestará no processo de registro e suscitará dúvida para o Juiz, que a decidirá.

Em interessante precedente, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ-SP) entendeu que associação que tenha por objeto social o plantio de cannabis para fins medicinais e científicos não constitui atividade ilícita ou nociva à coletividade, podendo ser regularmente constituída no RCPJ.


Confira-se passagem do parecer acolhido pelo Corregedor Geral, des. Francisco Eduardo Loureiro:


Incontroverso que a cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é considerada droga pela nossa legislação, inclusive para fins de tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei nº 11.343/06). Por outro lado, inegável que a própria Lei nº 11.343/06, desde sua entrada em vigor, permite que a União conceda, em situações específicas, autorização para o plantio, cultura e colheita de vegetais proibidos. No caso específico da cannabis, é de conhecimento geral que o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), duas das mais de setecentas substâncias extraídas da planta, vêm sendo utilizados para o tratamento de uma série de doenças, inclusive com fornecimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

E concluiu:


A leitura dos itens do estatuto (...), únicos questionados pelos registrador, revela que a análise formal própria da atividade registral permite o ingresso do título. Com efeito, não há indício algum de que a associação tenha fins ilícitos, perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes. A presunção de que a realização de estudos, ensaios e pesquisas sobre a planta cannabis e seus derivados pressupõe o uso da maconha in natura é incorreta. Isso porque estudos, ensaios e pesquisas podem ser realizados, por exemplo, com a utilização dos dados de pesquisas anteriores, realizadas no Brasil, com a obtenção das devidas autorizações, ou no exterior, tendo em vista que a descriminalização da maconha, inclusive para fins recreativos, é uma realidade em diversos países.

Em boa síntese, o precedente foi assim ementado:


Registro Civil de Pessoas Jurídicas - processo remetido à Corregedoria Permanente, na forma do art. 115, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73 - sentença que obsta o registro de ato constitutivo de associação, sob a alegação de que o uso da planta "cannabis" é vedado pela legislação pátria - estatuto social da associação que não prevê fins ilícitos - eventual plantio que, segundo o estatuto, será precedido da obtenção da autorização necessária e destinado para fins exclusivamente medicinais ou científicos - eventuais desvios de atuação da pessoa jurídica em relação a seus objetivos sociais que escapam da análise feita nesta via - parecer pelo provimento do recurso.

Por fim, a título de simples curiosidade, a decisão é contemporânea ao emblemático e polêmico julgamento do Supremo Tribunal Federal que descriminalizou o uso da maconha, em pequena quantidade. A Corte Suprema, por maioria e nos termos do voto do Relator, fixou a seguinte tese:


1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III);
2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta;
3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença;
4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito;
5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes;
6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários;
7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio;
8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário. (STF - RE 635.659, T. Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.26/06/2024).

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