O aumento substancial de área apurado em processo administrativo de retificação de registro perante o Ofício Predial, não é motivo, per se, suficiente para impedir o deferimento da retificação.
Em emblemática decisão sobre o tema, em caso concreto no qual o novo cálculo de área apurado na retificação a elevou em 65% em relação ao registro de origem, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (CGJ-SP) reafirmou a sua jurisprudência para consagrar:
...tenha-se que não há limites objetivos previstos na lei para eventual aumento de área por conta da realização da retificação imobiliária, desde que respeitados os limites geodésicos do imóvel em questão. É que os arts. 212 e 213, da Lei nº 6.015/1973, não estabelecem limites objetivos para a retificação do registro, considerando-se sua função de garantir que este espelha a realidade de fato do imóvel.
Na sequência, delimitou-se com objetividade o espectro no qual deve ser compreendida a expressão "retificação intra muros":
"É curial para a segurança do sistema de registro de propriedade imobiliária evitar que a retificação com aumento de área enseje aquisição irregular. Daí o entendimento de que somente a retificação intra muros nos limites do título causal é legítima. E "retificação intra muros não é retificação de imóvel murado em todo seu perímetro, mas sim retificação interna (não externa), ou seja, dentro das divisas tituladas e, por isso, nas forças do próprio título de domínio (não além das forças do título)" (Processo CG nº 141/2006). Porém, não há relação necessária entre aumento nominal da área e transcendência do título: superfície maior, a priori, não implica retificação extra muros. Nesse sentido jurisprudência em matéria de registro imobiliário.
Afastou-se, ademais, o equívoco corrente de que a baliza do art. 500 do Código Civil seria parâmetro intransponível à retificação:
Nesse contexto, a regra do art. 500 do Código Civil de 2002 (antes, do art. 1.136 do Código Civil de 1916) é apenas, e quando muito, um lugar-comum, um topos retórico, um mero argumento em favor de maior cuidado no exame da retificação, quando a nova área calculada superar, em mais de um vigésimo, aquela que já era mencionada no registro retificando. Não significa, porém, que, constatada diferença que supere (ainda que em muito) a proporção de cinco por cento, o interessado necessariamente deva ser remetido à via judicial.
E mais:
A utilização do § 1º do art. 500 do Código Civil (divergência da área encontrada na venda ad mensuram de bem imóvel) como esteio para a decisão do caso é puro equívoco. Essa regra (do limite da divergência ser de até 1/20 ou 5%) refere-se a direito contratual, direito disponível, embate exclusivo entre A e B, solução inter partes, enfim, situação que se julgada de forma incorreta trará prejuízo apenas a uma das partes da lide. [...] A retificação de registro, no entanto, cuida dos direitos reais imobiliários, que são direitos erga omnes, cuja publicidade registral deve ser abrangente e segura, pois é dirigida a todos indistintamente, pois todos os demais são sujeitos passivos da obrigação de respeitar o direito real constituído.
Concluiu-se:
Se o critério fundamental a observar-se, portanto, não é o incremento ou redução da superfície do imóvel, o que se deve verificar, no caso concreto, é a correspondência entre o que agora apura no curso da retificação e uma situação jurídica que, subsistindo no plano do direito material (= no plano da causa para a aquisição do direito real), ainda está mal descrita nos assentos do ofício de registro de imóveis.
Como se diz no jargão do direito registral imobiliário, essa verificação é feita ao se examinar se a retificação ocorre intra muros, quer dizer, se o imóvel está "(1) precisamente localizado, não havendo dúvidas a este respeito, assim, como (2) identificado(s) seu(s) titular(es), (3) delimitado seus contornos, com a fixação de limites e divisas que (4) preservem, sem desfalque, os imóveis confrontantes e confinantes" (Salles e Salles, loc. cit., p. 450-451).
Ref. CGJSP - Processo 1004166-63.2020.8.26.0291, Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 22/09/2023.
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Jurisprudência citada no decisum:
STJ, REsp 716.489-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 8.4.08;
TJSP, Ap. Cível nº 344.045-4/9-00, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 21.9.4; TJSP, Ap. Cível nº 103.853-4/8-00, 2ª Câmara de Direito Privado, Des. Cezar Peluso, j. 13.2.01.
CGJSP, Processos 141/2006; 67033/2011, j. 23.8.2011; 1002561-48.2019.8.26.0152, j. 23.1.2020; 1011754- 07.2019.8.26.0405, j. 16.4.2020; e 1001975-66.2018.8.26.0242.