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CND do INSS: exigir ou não?! Eis a questão!

Atualizado: 20 de jun.


Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro ¹



Tema dos mais complexos nos dias correntes - e que inquieta a atividade de notários e registradores - reside na necessidade de exigência ou não de CND do INSS para alienação imobiliária promovida por pessoas jurídicas.


A Lei 8.212/1991 é clara e ainda não foi declarada inconstitucional:


Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: I - da empresa: (...) b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos. (...) § 3º O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível.      

No entanto, sabe-se que a doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar normas correlatas, possuem entendimento no sentido de que a exigência de CND como meio de condicionar a prática de atos pelos contribuintes constitui inaceitável sanção política.²


Nada obstante, os dispositivos acima mencionados ainda não foram declarados inconstitucionais pela Suprema Corte, vigorando, pois, a presunção de constitucionalidade das leis.


Acresça-se, ademais, que é defeso, na esfera administrativa, que notários e registradores declarem a inconstitucionalidade de lei em sentido formal ou que deixem de aplicar norma imperativa, inclusive sob pena de infração disciplinar.


A par disso, os diversos órgãos de superintendência das instituições notariais e de registros não têm se manifestado de modo uniforme; o que gera ainda mais insegurança para a dispensa das indigitadas certidões.


Passa-se a seguir a arrolar o entendimento de alguns desses órgãos correcionais:


A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ-SP) entende que:


Nada obstante o previsto no art. 47, I, b, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e outras imposições pecuniárias compulsórias. (NSCGJ-SP, Cap. XVI, Item 60.2)

A CGJ-SP, no entanto, sustenta que para fins de averbação de construção a CND deve ser exigida:


Registro de imóveis – pedido de providências – averbação de construção – exigência de apresentação da certidão negativa de débitos de contribuições previdenciárias - CNJ – inteligência do artigo 47, II, da Lei nº 8.212/1991 e do subitem 120.3, capítulo, XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – exceções à apresentação da certidão para a inscrição almejada que não se verificaram na hipótese concreta – dever do oficial de velar pelo recolhimento do tributo – óbice mantido – recurso não provido. (Cf. CGJ-SP - Processo 1002621-13.2022.8.26.0347. Des. Francisco Antonio Torres Garcia, j.14/06/2023).

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal paulista (CSM-SP) também tem se manifestado pela inexigência de CND do INSS nas alienações imobiliárias:


Não se justifica, igualmente, a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), seja porque originária a aquisição da propriedade, seja diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema, a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política. Em atenção a esse último fundamento, a confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos. Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado. Conforme Humberto Ávila, "a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que - e isto é essencial - não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário". (Por todos: CSMSP - Apelação Cível 1184541-45.2023.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j.23/05/2024).

O Conselho Nacional de Justiça, de seu turno, já autorizou a dispensa no âmbito das Corregedorias Gerais da Justiça estaduais:


A legalidade da exigência de certidões negativas de débitos tributários pelos notários e registradores foi apreciada pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do PP n. 0001230-82.2015.2.00.0000, procedimento cuja decisão é de observância obrigatória por todas as Corregedorias estaduais. Ao julgar recurso administrativo no PP n. 0001230-82.2015.2.00.0000, o Plenário deste Conselho ratificou o entendimento segundo o qual a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n. 394/DF foi ampla e tornou inexigível a comprovação de débitos tributários nas operações em registros de imóveis. O art. 1º, caput, da Lei Federal n. 7.711/1988, outrora declarado inconstitucional, continha a expressão "outras imposições pecuniárias compulsórias", o que leva a extensão do julgamento a todas as categorias de tributos. (Cf. CNJ PCA 0001611-12.2023.2.00.0000, Cons. Marcelo Terto, j.24/08/2023).

Nada obstante, a Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP) impetrou mandado de segurança para que os notários e registradores paulistas pudessem deixar de exigir a CND. Houve concessão de liminar em primeira instância, mas o TRF da 3ª Região, revendo a matéria, cassou o decisum de piso determinando:


A certidão de quitação fiscal não deve ser confundida com a certidão de regularidade fiscal, pois institutos distintos. Enquanto a certidão de quitação impõe ao contribuinte que todos seus débitos estejam quitados para a sua emissão, a certidão de regularidade fiscal exige do contribuinte apenas a regularidade de seus débitos para que seja emitida. A certidão de regularidade fiscal pode ser comprovada pela certidão negativa de débito, que equivale a certidão de quitação, ou pela certidão positiva com efeitos de negativa (na hipótese de o contribuinte ter débitos não pagos, mas que integralmente garantidos ou com a exigibilidade suspensa). Dentro dessa linha de entendimento, não é plausível supor que o inc. I do art. 47 da Lei nº 8.212/91, sob qualquer ângulo que seja analisado, seja idêntico àquela norma declarada inconstitucional pelo STF na ADIN 394. Os Notários e Registradores (associados da impetrante) na condição de delegatários do serviço público, devem exercer o cumprimento da norma legal, haja vista que, na forma prevista no artigo 236, caput da Constituição Federal, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público". Se dentre as atribuições impostas aos notários e registradores está a representação do Estado, com a finalidade dar forma legal e conferir presunção de autenticidade (“fé pública”) aos atos jurídicos extrajudiciais, não podem estes representantes descumprir normas jurídicas válidas sob o pretexto de que se “assemelham” a outras normas declaradas inconstitucionais. Até que seja declarada expressamente a inconstitucionalidade das disposições do artigo 47 e 48 da Lei nº 8.212/91, não é facultado a qualquer pessoa deixar de cumpri-la por reputá-la inconstitucional e menos ainda aos delegatários do serviço público, na condição de representantes do Estado. Agravo de Instrumento provido. (Cf. TRF3 - Agravo de Instrumento 5031693-86.2023.4.03.0000, Rel. Des. Renato Becho, j. 29/02/2024).


Recorde-se, ainda nesse cenário, que a Receita Federal do Brasil (RFB), de sua vez, emitiu a Instrução Normativa nº 2.110, de 17/10/2022, publicada em 19/10/2022, que prevê a ocorrência de infração para cada certidão negativa de débitos não exigida, nos casos previstos em lei (art. 258 c/c art, 262, § 1º, III).


Art. 258. O titular de serviço notarial e de registro é pessoalmente responsável pela infração a obrigação acessória prevista na legislação previdenciária, em nome do qual será lavrado o documento de constituição do crédito tributário, por meio de sua matrícula CEI ou CAEPF atribuída ou não de ofício. (Lei nº 8.212, de 1991, art. 48, § 3º, e art. 68, § 5º; e Regulamento da Previdência Social, de 1999, art. 228, § 6º)

Art. 262. As infrações isoladas, por ocorrência, poderão integrar, para economia processual, um único Auto de Infração ou uma única Notificação de Lançamento. § 1º Para fins do disposto neste artigo, configura-se uma ocorrência: (....) III - cada certidão negativa de débitos não exigida, nos casos previstos em lei;

Por último, a 1ª Vara de Registros Públicos da Capital paulista (1ªVRP-SP) tem assim decidido nesse cenário atual:


(...) Até que seja declarada expressamente a inconstitucionalidade das disposições dos artigos 47 e 48 da Lei n. 8.212/91, não há faculdade para o registrador deixar de cumpri-las. Na esteira do novo posicionamento, de manutenção da exigência, convém acrescer a recente revogação de liminar outrora concedida em mandado de segurança impetrado pela ANOREG que possibilitava dispensa de CND em casos como o ora analisado. (...) Portanto, ausentes elementos que demonstrem que a exigência imposta pelos arts. 47 e 48 da Lei 8.212/91, afrontam qualquer princípio constitucional ou que foram declarados inconstitucionais, regular e legitima a exigência de apresentação de certidão de regularidade fiscal como condicionante para a averbação de construção, alienação ou oneração de bem imóvel, registro e incorporação societária, etc., bem como a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que praticarem atos com inobservância do disposto no mencionado artigo 47, da Lei nº 8.212/91. (Por todos: 1ªVRPSP - Processo 1048718-65.2024.8.26.0100, Juíza Renata Pinto Lima Zanetta, j.25/05/2024).

Não custa lembrar que no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo o tema também gerou celeuma. O PL de conversão da MP 1.085, que deu origem à Lei 14.382/2022, foi aprovado pelo Parlamento, inicialmente, com a revogação das normas que exigem a CND para atos notariais e registrais. O Executivo Federal, no entanto, vetou essas disposições.


Enfim, o cenário é, como visto, de muita insegurança para notários, registradores, compradores, vendedores, enfim, para toda a sociedade. Urge, pois, a pacificação do entendimento pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da inconstitucionalidade ou não da exigência da CND do INSS para atos notariais e de registro.



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1. Registrador imobiliário. Atualmente exerce a delegação do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Pedreira/SP. Pesquisador da Escola Nacional de Notários e Registradores (ENNOR). Professor de direito registral em cursos de graduação e pós-graduação. Autor dos livros “Alienação Fiduciária de Bens Imóveis”, Editora Thomson Reuters - RT, em sua 2ª Edição (2022); e “Registro de Imóveis: Anotações à Lei 14.382/2022” pela Editora Forense (2023).


2. Da lavra do eminente registrador imobiliário e professor Sérgio Jacomino, encontramos escólio doutrinário singular e com técnica apurada, podendo ser aqui consultado: https://www.academia.edu/78788113/ .






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