Um dos temas de grande disputa doutrinária e jurisprudencial no direito civil contemporâneo está na possibilidade ou não de os nubentes ou conviventes em união estável estabelecerem em pacto patrimonial o desejo de não participarem da sucessão um do outro.
Na jurisprudência administrativa do Tribunal de Justiça de São Paulo sempre prevaleceu a inviabilidade desse acordo de vontades e a impossibilidade de seu registro no Ofício de Registro de Imóveis, em razão da norma cogente do art. 426 do Código Civil que veda a contratação sobre herança de pessoa viva ("pacta corvina").
Por todos, confira a ementa de um dos precedentes do Conselho Superior da Magistratura, lançado em outubro de 2023:
Registro de imóveis - dúvida julgada procedente - escritura pública de pacto antenupcial - regime convencional da separação total de bens - existência de disposição no pacto estabelecido que, segundo o oficial, não comporta ingresso no registro de imóveis porque ilegal - renúncia ao direito sucessório - artigo 426 do Código Civil que veda o pacto sucessório - sistema dos registros públicos em que impera o princípio da legalidade estrita - pedido subsidiário de cindibilidade do título que não comporta acolhimento - título que, tal como se apresenta, não comporta registro - apelação a que se nega provimento. (Cf. CSMSP - Apelação Cível 1022765-36.2023.8.26.0100, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, j.11/10/2024).
Revisitando a matéria, o des. Francisco E. Loureiro, em imponente voto-condutor do acórdão, lançou luzes distintas para iluminar a melhor condução da celeuma no âmbito das serventias extrajudiciais.
Apesar do reconhecimento da intensa polêmica que se assenta sobre o tema em nível doutrinário e jurisprudencial, entendeu-se que - bem esclarecida pelo Notário às partes a existência de incerteza a respeito do posicionamento prevalecente sobre a renúncia antecipada ao direito sucessório, inclusive frisando a possibilidade de eventual não admissão, judicialmente, no futuro desse ato abdicativo, e constando as ressalvas textualmente do instrumento contratual - não caberia ao Oficial do Registro de Imóveis impedir o registro do pacto, antecipando cognição futura a respeito da matéria, reservada ao Poder Judiciário.
Em outros termos, a estreita via administrativa que marca a atuação da qualificação registral imobiliária, não pode impedir a publicidade erga omnes de manifestações de vontades das partes a respeito do tema, por não ser de sua competência dirimir questão de alta complexidade e que poderá eventualmente sequer produzir efeitos jurídicos concretos.
Como bem sublinhado pelo Corregedor-Geral da Justiça:
Note-se que não se afirma e nem se nega nesta via administrativa a validade da renúncia antecipada à herança do cônjuge em concorrência com herdeiros de primeira classe. Afirma-se, sim, que o pacto antenupcial, lavrado com todas as cautelas e informações possíveis, deve ser registrado na serventia imobiliária. (...) Dizendo de outro modo, o registro não significa a chancela judicial à validade da cláusula, mas tão somente que não se deve negar eficácia perante terceiros ao pacto antenupcial, até que em momento e na esfera própria a questão da nulidade eventualmente seja arguida e decidida na esfera jurisdicional.
A decisão parece colocar os "pingos nos is" e com boa clareza caminha no sentido de se valorizar a manifestação de vontade das partes e a autonomia privada. Vale destacar, no entanto, que o acesso ao Registro de Imóveis de um pacto dessa natureza passa necessariamente pela boa atuação do notariado brasileiro, com seu atributo da profilaxia jurídica, para que sejam evitados litígios futuros.
Sem embargo, virá em boa hora a alteração legislativa do Código Civil, conforme o atual projeto de reforma em tramitação no Congresso Nacional, para contemplar no texto legal a viabilidade da renúncia antecipada à herança, sem impedir, por isso, a manutenção do conteúdo da milenar vedação jurídica e moral à pacta corvina.
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Cf. CSMSP - Apelação Cível 1000348-35.2024.8.26.0236, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j.1º/10/2024.